segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

UMA REFLEXÃO ......



UMA REFLEXÃO ......



Os filhos daquele casal cresceram em uma casa, uma casa em construção, uma construção que nunca fora terminada. Uma casa inicialmente construída no final de uma rua, e abaixo do nível do meio fio. E foi assim que ficou a casa quando a rua foi calçada. No alto de uma ladeira, afundada no final de uma rua sem saída.

Compraram um terreno em uma rua em ladeira e sem calçamento, com a promessa de a prefeitura um dia fazer um rebaixamento e um calçamento. Fizeram plantas e projetos de uma construção, idealizada com o nível da rua planejado para um futuro indeterminado. Os desenhos do projeto mostravam uma casa alta, com um terraço e com garagem ao nível da rua. Por fim a casa ficou dentro de um suposto buraco. A rua chegou a ser calçada, mas nunca fora rebaixada.

O casal morou durante muitos anos naquela casa. Tempos mais tarde partiram daquela casa. O casal abandonou então aquela cidade, rumo à outra região do país, rumo a outra cidade. E deixaram outra casa em construção, outra casa não terminada .... Uma casa nos fundos de outra casa no mesmo final de rua, de uma rua que também nunca foi terminada... Uma nova casa não terminada atrás da primeira casa que também não estava terminada. E dentro de um buraco no final da rua, ficaram duas casas começadas e não terminadas. Por sorte conseguiram vender as duas casas que haviam começado e não terminado. 

Um vizinho mais ao fundo, dentro do mesmo terreno criou estratégias. Criou uma nova frente para a sua casa, que ficou terminada, arejada e mais iluminada. Com uma nova entrada criada, deixou sua casa com acesso ao nível da rua, com acesso de carro, pedestre e calçada.

Durante suas permanências na tal primeira casa não terminada, puderam comprar uma propriedade rural, para um lazer de fim de semana. E uma nova casa foi iniciada na nova propriedade. Mais tarde venderam a propriedade rural como um terreno plantado tal como antes comprado, acrescido de uma casa não finalizada.

Moram agora em uma casa comprada, onde alguém, o construtor, iniciou, construiu e terminou. Hoje observando sua atual nova casa, uma casa agora comprada, é possível ver muitas coisas espalhadas e não terminadas .... Não houve como seus filhos compreender que as coisas, os cursos, a escolas e as ideias deveriam ser iniciadas e terminadas......

Na cidade anterior, a cidade inicial da história, o casal primeiro morou em uma pequena casa nos fundos de outra casa no subúrbio. Depois passaram para uma pequena casa em uma Ilha. Uma casa no final de uma Ilha, já que ele trabalharia no fim da mesma Ilha. Moraram no meio de uma ladeira no final de uma Ilha, em uma casa no final de uma Vila, que tinha um nível mais baixo que a frente da Vila. 

Fotos antigas de uma casa anterior no interior do estado, ainda que em uma rua plana e principal, dão ideias de que também era uma casa nos fundos de algum lugar.

A partir da casa na Vila começaram a construir a tal casa, não terminada. E o casal mudou-se com os filhos para o final de uma rua não terminada, depois de uma ladeira íngreme. Ali no final da rua começando em uma grota, e não terminada, construíram uma casa dentro de um buraco, e nos fundos da primeira casa construíram um barraco. Que cedeu espaço a outra casa não terminada.

Hoje moram em outra casa, de outra cidade, em outra região. Moram na ultima casa de um condomínio, no lado onde há mais casas, na ultima casa. E preservam um barraco nos fundos da casa. A princípio um local chamado de Nem, pois é difícil precisar se é um local de cá ou de lá, um local que muitos dizem não ficar aqui e nem lá.

Não podem exigir de seus filhos um destino diferente dos seus. Escolheram um destino ..... estar sempre no final, sempre abaixo .... sempre incompletos..... com um barraco nos fundos da casa. Mas exigem um fim e uma perfeição que nunca tiveram. Sempre estiveram indecisos de morar aqui ou lá, e por fim nem aqui e nem lá.

Muitos anos são necessários para mudar um paradigma. Os filhos repetem os erros e comportamentos dos pais. Assim como os que nasceram em um país repetem o comportamento de seus conterrâneos ... Uma genealogia familiar ou uma genealogia pátria afeta seus descendentes.

Até hoje os brasileiros são classificados como índios pelos outros países do mundo... Os holandeses invadiram e ocuparam Recife, que assemelha ao seu país, onde não há como observar o horizonte .... os pintores holandeses pintam imagens dentro de locais fechados ... nunca pintam horizontes e imagens distantes .. os arquétipos estão em todos os lugares...

E assim o casal escolheu ser sempre o ultimo, com suas bagunças nos fundos. Seus filhos repetiram sua história. Agora talvez seus filhos interpretando suas histórias e suas memórias, possam enfim mudar seus destinos, seus paradigmas e seus arquétipos. Mas seria preciso que o casal também compreendesse a sua história, para não criar novos buracos, novos barracos e novos barrancos, novos pontos submissos para terceiros, ainda que justificados por suas histórias.

O mundo evolui, o mundo é formado por pessoas. Foi-se o tempo de criticar os objetivos de outros, por ter passado necessidades e sobrevivido a dificuldades. As necessidades passadas por outros são águas passadas, o mundo de hoje esta em outro nível de energia. De nada resolve comer pirão d’água com farinha; ou andar no meio do mato comendo ração de campanha. Já existem outros tipos de comida disponíveis. Não se amarra mais cachorro com linguiça. O campo já migrou para a cidade, evoluiu e tornou-se cidade.

Câmara Cascudo bebeu água quente e comeu banana assada em chapa quente de locomotiva, mas nem por isto deixou de criar um legado de conhecimento. É preciso largar o passado e saber viver o presente. Passado fica na memória, de quem um dia, ele foi presente, não é para ser vivido por quem não o viveu.


Nem, em 05/01/15

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