sábado, 7 de março de 2015

A história calada



A história calada



Não sabemos ao certo se eles estavam perdidos ou mal intencionados. Não sabemos também, se seria uma navegação prevista ou bem intencionada. Se eles eram navegadores e desbravadores ou degredados, não sabemos nada. A história contada com certeza tinha algo a mais a ser declarado. Uns afirmam ter chegado aqui e outros afirmam ter chegado ali, ainda existem outros que dizem que chegaram acolá. Cada qual quer ser reconhecido como o primeiro a chegar à terra do nada. Só sabemos e aprendemos o que nos dispuseram a contar. Não tínhamos caderneta, e nem escrita para os fatos anotar.

Primeiro eles nos avistaram de longe, depois chegaram e desembarcaram de mansinho, tinham medo do que, e de quem encontrar. Avistaram-nos com suas lunetas e observaram de longe, aproximaram seus grandes barcos e fundearam, colocaram seus botes na água e desembarcaram nas praias. Avistamo-los desde quando apareceram no horizonte, onde a nossa vista alcançava. Observamos tudo sem falar nada. Seus grandes barcos diante nossas pequenas canoas, ficavam enormemente maiores com suas velas desfraldadas. 

Desembarcaram, almoçaram e jantaram, implantaram uma cruz e não falamos nada. Levaram água, frutos e frutas silvestres, em seus botes para bordo das naus, e não deixaram nada. Desembarcaram novamente, com mais gente. Rezaram uma missa e nos convidaram. Assistimos tudo e não falamos nada. Trouxeram suas esperanças e seu Deus, a uma terra tropical e abençoada. E acharam que nossas terras estavam abandonadas. Tudo agora, lembramos-nos de algo vagamente, pois não registramos nada.

Passado um tempo, partiram. E voltaram em outro momento, com novos e outros barcos. Cortaram nossas arvores para obter madeira, e construir suas moradas. Caçaram e pescaram e não falamos nada. Tentaram por inúmeras vezes uma estratégia de nos escravizar e nos catequizar e não fizemos nada. Levaram pedras coloridas e preciosas e não falamos nada. Convenceram-nos a combater e defender as nossas terras, que por outros povos fora cobiçada.  Outros vieram atrás de seus rastros: com cartas, acordos e promessas, todas documentadas.

Voltaram também com religiosos embarcados, que com roupas escuras tiveram que enfrentar nosso Tupã, para orar e falar de seu Deus. Com livros sagrados e conversas fizeram de tudo para que aceitássemos seu Deus, contrariando nossas crenças enraizadas. Oramos com eles e não criticamos nada. E muitos deles quando feridos e doentes, usaram nossas ervas, nossas preces e nossas rezas, como suas ultimas cartadas.

Depois eles embarcaram em seus barcos e retornaram para longe, para as terras de onde vieram, e novamente não deixaram nada. Retornaram com suas cortes, seus reis, príncipes e princesas, com suas bagagens para aqui se estabelecerem e não falamos nada. Fugiram de seus inimigos, com a cruz e a espada. Outros povos vieram aqui e se instalaram também. E não falamos nada. Uma partilha do continente entre eles foi convencionada. A parte de cá que nos sobrou foi entre eles repartilhada.

Do mesmo modo que recebemos bem todos os povos, recebemos outros e não falamos nada. O mundo mudou, saiu do extrativismo, estabeleceu relações comerciais e não ganhamos nada. Fizeram grandes guerras em suas terras distantes e fomos convocados. Voltamos como participantes de uma guerra e não ganhamos nada. Brigaram em suas terras, por razões que poderiam influenciar as nossas terras, pois assim nos disseram e não falamos nada.

Por muito tempo e muitas viagens, seus navios partiram daqui cheios de areia monazítica e não nos opomos a nada. Diziam ser para equilibrar seus navios vazios e não recusamos nada. Fizeram usos e pesquisas com as areias e ficamos sem saber de nada. Hoje partem com seus enormes navios Bulk Carrier, o chamado navio graneleiro, carregados de minério de ferro e ganhamos pouco ou quase nada. Outros minérios valiosos podem partir em menor quantidade, e da mesma forma ganhamos pouco. E talvez nada.

Agora querem levar outros minérios valiosos somente encontrados em nossas terras. Querem explorar e usufruir o pré-sal e não podemos falar nada. Trazem tecnologia para cataventos em energia eólica, usam nossos ventos. Vendem-nos tudo e não compram nada. E traz-nos recentemente algo imaterial, o que denominam de tecnologia e conhecimento. Aqui aplicam suas ideias, usam de tudo, e continuam a deixar nada.

RN, 07/03/15
Roberto Cardoso
IHGRN – instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte
INRG – Instituto Norte-Rio-Grandense de Genealogia.





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