A
história calada
Não sabemos ao certo se eles
estavam perdidos ou mal intencionados. Não sabemos também, se seria uma
navegação prevista ou bem intencionada. Se eles eram navegadores e
desbravadores ou degredados, não sabemos nada. A história contada com certeza tinha
algo a mais a ser declarado. Uns afirmam ter chegado aqui e outros afirmam ter
chegado ali, ainda existem outros que dizem que chegaram acolá. Cada qual quer
ser reconhecido como o primeiro a chegar à terra do nada. Só sabemos e
aprendemos o que nos dispuseram a contar. Não tínhamos caderneta, e nem escrita
para os fatos anotar.
Primeiro eles nos avistaram
de longe, depois chegaram e desembarcaram de mansinho, tinham medo do que, e de
quem encontrar. Avistaram-nos com suas lunetas e observaram de longe, aproximaram
seus grandes barcos e fundearam, colocaram seus botes na água e desembarcaram
nas praias. Avistamo-los desde quando apareceram no horizonte, onde a nossa
vista alcançava. Observamos tudo sem falar nada. Seus grandes barcos diante
nossas pequenas canoas, ficavam enormemente maiores com suas velas desfraldadas.
Desembarcaram, almoçaram e
jantaram, implantaram uma cruz e não falamos nada. Levaram água, frutos e
frutas silvestres, em seus botes para bordo das naus, e não deixaram nada.
Desembarcaram novamente, com mais gente. Rezaram uma missa e nos convidaram. Assistimos
tudo e não falamos nada. Trouxeram suas esperanças e seu Deus, a uma terra
tropical e abençoada. E acharam que nossas terras estavam abandonadas. Tudo agora,
lembramos-nos de algo vagamente, pois não registramos nada.
Passado um tempo, partiram. E
voltaram em outro momento, com novos e outros barcos. Cortaram nossas arvores
para obter madeira, e construir suas moradas. Caçaram e pescaram e não falamos
nada. Tentaram por inúmeras vezes uma estratégia de nos escravizar e nos
catequizar e não fizemos nada. Levaram pedras coloridas e preciosas e não
falamos nada. Convenceram-nos a combater e defender as nossas terras, que por
outros povos fora cobiçada. Outros
vieram atrás de seus rastros: com cartas, acordos e promessas, todas
documentadas.
Voltaram também com
religiosos embarcados, que com roupas escuras tiveram que enfrentar nosso Tupã,
para orar e falar de seu Deus. Com livros sagrados e conversas fizeram de tudo
para que aceitássemos seu Deus, contrariando nossas crenças enraizadas. Oramos com
eles e não criticamos nada. E muitos deles quando feridos e doentes, usaram
nossas ervas, nossas preces e nossas rezas, como suas ultimas cartadas.
Depois eles embarcaram em
seus barcos e retornaram para longe, para as terras de onde vieram, e novamente
não deixaram nada. Retornaram com suas cortes, seus reis, príncipes e
princesas, com suas bagagens para aqui se estabelecerem e não falamos nada. Fugiram
de seus inimigos, com a cruz e a espada. Outros povos vieram aqui e se
instalaram também. E não falamos nada. Uma partilha do continente entre eles
foi convencionada. A parte de cá que nos sobrou foi entre eles repartilhada.
Do mesmo modo que recebemos
bem todos os povos, recebemos outros e não falamos nada. O mundo mudou, saiu do
extrativismo, estabeleceu relações comerciais e não ganhamos nada. Fizeram grandes
guerras em suas terras distantes e fomos convocados. Voltamos como
participantes de uma guerra e não ganhamos nada. Brigaram em suas terras, por
razões que poderiam influenciar as nossas terras, pois assim nos disseram e não
falamos nada.
Por muito tempo e muitas
viagens, seus navios partiram daqui cheios de areia monazítica e não nos opomos
a nada. Diziam ser para equilibrar seus navios vazios e não recusamos nada. Fizeram
usos e pesquisas com as areias e ficamos sem saber de nada. Hoje partem com
seus enormes navios Bulk Carrier, o chamado navio graneleiro, carregados de
minério de ferro e ganhamos pouco ou quase nada. Outros minérios valiosos podem
partir em menor quantidade, e da mesma forma ganhamos pouco. E talvez nada.
Agora querem levar outros
minérios valiosos somente encontrados em nossas terras. Querem explorar e usufruir
o pré-sal e não podemos falar nada. Trazem tecnologia para cataventos em energia
eólica, usam nossos ventos. Vendem-nos tudo e não compram nada. E traz-nos recentemente
algo imaterial, o que denominam de tecnologia e conhecimento. Aqui aplicam suas
ideias, usam de tudo, e continuam a deixar nada.
RN,
07/03/15
Roberto
Cardoso
IHGRN – instituto Histórico
e Geográfico do Rio Grande do Norte
INRG – Instituto Norte-Rio-Grandense
de Genealogia.
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